Reverie OPEX #09

A amizade em One Piece e o que podemos aprender com ela

Por Pah~ 14 de janeiro de 2017 COMENTÁRIOS

O texto do Reverie OPEX dessa semana é diferente de todos os outros. Não há spoiler, nem sermão, será apenas para relembrarmos o quanto os significados da amizade e companheirismo na história são importantes e se tornam a base de tudo. E claro, refletir a respeito. Por ser um tema mais complexo e longo, deixarei as referências que não estão relacionadas ao mangá no fim do texto. Fiquem de olho, todas as fontes usadas são importantes.

Antes de mais nada, acho legal compartilhar com vocês um pouco da história da Shonen Jump, pois nos primórdios para se criar a WSJ foi necessário planejamento e ousadia para que ela se tornasse o que é hoje (mesmo com as crises que já sofreu). Para quem não tem a mínima ideia do que é a Weekly Shonen Jump, esclareço: é a revista semanal em que o mangá de One Piece é publicado no Japão. E teve seu auge na década de 1980 e início da década de 1990.

Uma curiosidade em off: Oda foi assistente de Nobuhiro Watsuki, autor de Rurouni Kenshin, e que veio ao Brasil no ano de 2015 para dois eventos em São Paulo. Pude participar de uma coletiva de imprensa com ele, e claro que fiz uma pergunta simples: o que ele, como autor, pôde ensinar e passar adiante para seus assistentes, em particular, o Oda? E na resposta ele disse que na época já via no Oda o talento para ser um autor de sucesso e que não teve tantas coisas que pudesse ensinar a ele. Porém, além de ter sido uma gratidão trabalhar com o Oda, é também grato pelo que ele significou para o mercado de quadrinhos no Japão. Na época da crise da Shonen Jump, foi a era One Piece que deu uma reviravolta na revista e todo mundo começou a comprar novamente.

Uma edição da revista semanal Shonen Jump em que teve One Piece como capa!

Pois bem, para criar os métodos de pesquisa e saber exatamente o público alvo, Tadasu Nagano, primeiro editor-chefe da WSJ, fez uma pesquisa simples para saber o que o público queria ler. Nela, fez três perguntas: Qual a palavra que mais acalenta o seu coração?; Qual a palavra mais importante para você?; Qual a palavra que você mais deseja?

As respectivas respostas são a base para criar uma história para a Jump até os dias atuais: AMIZADE, ESFORÇO E VITÓRIA¹.

Se pararmos para pensar, One Piece possui as três características, mas a amizade é o ponto alto que define o mangá, e que inclusive determina os rumos da história. É simplesmente impossível usar exatamente os 82 volumes (até agora) como referência nesse texto, mas comecemos do começo. O sonho de Luffy de se tornar Rei dos Piratas e ter um bando melhor que o do Shanks só surgiu pela aproximação dele com o Ruivo, pela admiração que sentia por ele, e ao mesmo tempo a construção do relacionamento entre os dois. Inclusive, Shanks deixa bem claro que Luffy é seu amigo, e essa palavra sempre aparece com uma força muito grande em One Piece. Continuemos com alguns outros exemplos.

Ainda na infância, vimos como os laços de amizade são importantes para Luffy, pois sem Ace e Sabo ao lado dele, Luffy não teria a determinação e a promessa dentro de si ainda mais forte para realizar seus sonhos. Ele estaria sozinho, assim como foi mesmo que houve, ele não tinha em quem confiar depois de Shanks. A realização do brinde de irmãos mostra como a amizade pode sim construir laços profundos, como confiança, cumplicidade e irmandade. O laço entre eles era tão forte, que se consideravam irmãos, mesmo não possuindo laços sanguíneos. E é disso que trata One Piece: uma família sem laços sanguíneos viajando por um sonho em comum e por seus sonhos individuais. Todos os mugiwaras seguem o sonho de Luffy de ser Rei dos Piratas e também querem cumprir os próprios.

Na infância, Luffy ficou desesperado e com medo de ficar sozinho e buscou e provou seu valor a Sabo e Ace, que acabou tornando seus irmãos!

Luffy não define seus amigos pela força ou fama, mas pela empatia que sente por eles. Ou então por se sensibilizar com a situação em que se encontram ou pois os considera tanto que quer manter por perto para viver aventuras, justamente porque confia nos seus amigos. Inclusive, há um belo texto que mostra que Luffy é o personagem mais sem preconceito do mangá, pois tem amigos de todos os tipos, aceitando e vivendo muito bem com a diversidade do mundo².

E falando de confiança…peguemos Zoro de exemplo, no início ele era temido por todos e só Luffy esperou conhecê-lo para ter qualquer outro tipo de opinião. Ao conhecer a Rika, soube que na verdade Zoro matou o animal de estimação de Helmeppo para proteger a menina. Desde então ela sentiu uma gratidão muito grande pelo Marimo e mesmo estando preso, decidiu levar comida para ele. O gesto do Zoro comer o onigiri mesmo sujo e pisado por Helmeppo deu à Luffy a certeza que queria o espadachim no bando, que era uma pessoa honrada e com princípios. Não é à toa que Luffy já demonstrou que confia plenamente em Zoro para se proteger e proteger seus amigos.

E como não lembrar do que o bando fez pela Vivi? Primeiramente ela apareceu sendo uma personagem que Luffy nem se importava, lá no Cabo dos Gêmeos, e depois de Whisky Peak, mesmo que Nami tenha pensado no dinheiro ao descobrirem que ela é uma princesa e estavam atrás dela, a suposta morte de Igaram mudou todo o cenário, pois todos ficaram decididos a ajudá-la. Ficaram juntos por muito tempo e viram o valor da Vivi, que tinha um coração imenso e queria dar sua vida para salvar seu reino. Vivi foi tão importante para Luffy em especial, que ela foi uma das únicas personagens que fez ele se calar e ver uma outra forma de resolver seu problema. Quem não lembra dela abaixando a cabeça para o povo de Drum e pedindo ajuda? Todos lutaram por ela. E quem era a Vivi? Era uma irmã? Uma mãe? Prima? Tinha algum laço sanguíneo? Não. Mas mesmo assim todos a viram como se fosse de sangue. O braço levantado de todos no fim da saga não é apenas para mostrar que eles serão sempre companheiros de bando, e sim que ela sempre será uma amiga, uma pessoa confiável e que eles fariam o possível para protegê-la. E esse sentimento é mútuo, vemos em diversas histórias de capa a Vivi vendo as notícias do bando.

Não tem muito o que falar dessa cena né? É emocionante de várias maneiras, chorei que nem uma criancinha quando li pela 1ª vez

Esses exemplos são só alguns, mas toda saga One Piece precisa ter esse laço de amizade com algum personagem secundário para a história tomar forma (Chouchou, Vivi, Conis e Pagaya, Ace, Kamie e Hatchan, Rebecca, Kyros e Tontattas, Law etc), para dar significado sentimental para os fãs e saber os motivos de cada um do bando de ajudar. E nem sempre precisa ser um personagem secundário, quem não se emocionou com a entrega de Luffy para salvar Nami e afirmar que ela seria sua navegadora? Impossível ignorar a empatia que ele sentiu por Usopp e a vontade de salvar sua vila! Como não perceber a insistência de Luffy para entender a Robin e fazê-la voltar ao bando em Water Seven/Enies Lobby? E como deixar de lado a certeza e a determinação de Luffy de buscar Sanji no território de uma Yonkou?! E tudo pelo quê? AMIZADE. Eu citei Luffy, mas assim que ele decidiu salvar Nami, mesmo com Zoro desconfiando, ele seguiu seu capitão e viu que Nami precisava de ajuda. Outro momento que mostra que cada um do bando se importa, quando Kuma desfez o bando lá em Sabaody, Luffy ficou desesperado, todos surtados pois queriam escapar e não sabiam como! Tudo porque queriam permanecer juntos, queriam proteger uns aos outros e falharam.

Agora com todas essas referências do mangá, é preciso refletir: qual o significado de amizade? Isso é tão amplo e complicado de explicar, mas procurei usar uma base de relacionamento interpessoal que a psicologia usa. Porém, também quero deixar claro que não sou uma expert e nem sou formada na área, por isso, para os interessados no assunto, há inúmeros autores para ler³. O artigo e o texto que usei de base vai mais de encontro com relacionamentos de jovens e adultos, algo entre os 15 a 30 anos, deixando de lado o significado de amizade na infância, por exemplo.

Assim como em todo relacionamento, a amizade possui pontos positivos e negativos, mas o conceito inicial dele, de acordo com Fehr é: “um relacionamento pessoal e voluntário, que propicia intimidade e ajuda, no qual as duas partes gostam uma da outra e buscam a companhia uma da outra”.

Bom, é preciso salientar também que há estudos sobre níveis de amizade, mas como disse, na história de One Piece, em relação à amizade dentro do bando, é sempre tratada de forma especial, assim como a relação de diversos outros personagens (como Ace e o Oars Jr., Nami e Nojiko, Calgara e Norland etc). Basicamente, existem alguns níveis, como: amigo ocasional, amigo próximo, melhor amigo (FEHR, 1996), mas é claro que o assunto pode tomar várias linhas teóricas, possuindo outros autores que elencam outros níveis de amizade. No entanto, essa ideia de três níveis já basta para a proposta do texto haha!

Obs: viu como estudar é legal, gente? Começamos a aprender coisas que nem imaginávamos!

Bem no início do mangá Oda coloca uma história de um cachorro e seu dono, que eram melhores amigos, só daí já é perceptível o que o Oda utiliza como recheio do roteiro.

E vejam, essas amizades, como já dito, podem trazer tanto momentos e sentimentos positivos como negativos. É bom lembrar também que há autores que levam em consideração a amizade sem relação com a família ou cônjuge e há autores que contam sim o relacionamento entre a família e o cônjuge como formas de amizade.

– Aspectos positivos de acordo com o artigo: abertura, auto-revelação, autenticidade, aceitação, força de caráter, similaridades, compreensão, expressão dos sentimentos, dedicação mútua, altruísmo, reciprocidade, cuidado, confiança, compromisso, honestidade, facilidade de comunicação, aconselhamento.

– Aspectos negativos: ciúme, crítica em público, não defender o amigo na ausência deste, coerção, distanciamento emocional, abuso, violência, timidez, manejo de conflitos e tensões, sentimentos negativos, ansiedade e rivalidade.

Se pensamos em One Piece, é possível ver mais os aspectos positivos do que negativos, e quem quiser se divertir nos comentários, levantem momentos em que leram/viram os positivos e negativos. De toda forma, pra mim sempre foi muito claro a mensagem sobre amizade: precisamos deste sentimento otimista, para não ruirmos e deixarmos de acreditar nas pessoas. Por mais que haja a violência (moldada de várias formas), há também pessoas que trazem uma mudança muito grande na vida. Os estudos mesmo indicam que quando estamos socialmente integrados, vivemos mais. E essa integração não precisa ser com o mundo todo, ou com o senso comum, por isso existem as subculturas, os grupos que gostam das mesmas coisas e compartilham entre si coisas boas. E aí entra também os relacionamentos virtuais, que já foram comprovados que têm sim intimidade, que podem sim nos trazer mudanças. A doutora em psicologia pela USP, Lívia Godinho Nery explicou ainda em 2012⁴, “que as amizades virtuais, assim como as convencionais, favorecem o aumento da reflexão e da ação dos sujeitos a partir do que o outro fala.”

Companheiros como uma família, que cuidam uns dos outros s2

Sim, existem os trolls, sim, existe sempre alguém que vai falar mal da sua aparência, ou descreditar tudo que você disse simplesmente porque a opinião dele vale mais – mesmo nem havendo argumento. Vai ter gente que vai querer te colocar para baixo, mas eu procuro pensar que tem mais gente se interessando, refletindo e progredindo ou querendo simplesmente se divertir e opinar numa boa e tranquilamente, que inclusive podem ser ótimos amigos virtuais que um dia você vai querer conhecer.

Finalizando: eu acredito que o Oda não quer deixar isso morrer, de manter a determinação em realizarmos nossos sonhos, em nunca desistir de ajudar alguém (mesmo que seja um amigo ocasional) e ter a sensibilidade de cuidar e confiar nos amigos que lhe fazem bem.

E sinceramente? Quantos de nós já não negligenciamos uma situação delicada de algum amigo? Quantas vezes já não deixamos de ouvi-lo? Vivo questionando em meus próprios pensamentos que provavelmente eu não tenha a empatia que o Luffy tem, mesmo que eu o admire por isso. Corri atrás de saber mais sobre o que significa amizade e pude refletir sobre como posso melhorar, mesmo que minimamente, para modificar a vida de um único ser humano. Não é querer mudar o mundo, não é de um dia para o outro que as coisas “ruins” se tornam “boas”, mas sinto que preciso fazer um papel de micropolítica, de poder ajudar nem que seja 0,000000000000001% da vida de alguém. E não é uma mudança para pior. Pelo menos pra mim não faz sentido ler One Piece desde os 9 anos de idade e não aprender nada com a história e só fazer mal para as pessoas! Por isso achei necessário abordar todo esse assunto e acabar com uma frase de efeito (rsrs): One Piece não é só porrada meus amores, quanto mais vocês relerem a história vão ver que há muitos ensinamentos do Oda.