Série Kairoseki

Borracha (parte 3)

Por COMENTÁRIOS

Olá, olá, minha gente! Estamos de volta com a Série Kairoseki! E, no texto de hoje, fecharemos (finalmente!!) o artigo sobre Borracha! Sim, a Parte 3 dessa incrível aventura sobre as propriedades das borrachas está chegando ao fim. E caso você esteja se perguntando “como assim ‘fim’ se cheguei aqui agora?” saiba que já tivemos duas publicações sobre o assunto e podem ser lidas na Parte 1 e na Parte 2. Caso você tenha chegado agora e considere que pode ir direto para a Parte 3, sinta-se à vontade para prosseguir, que provavelmente você compreenderá o papo (principalmente se gabaritava as provas de química do ensino médio).

E o assunto de hoje é eletrizante! Finalmente é chegada a hora de conhecermos o que aconteceria com o Luffy caso as leis da natureza no universo de One Piece fossem iguais às do nosso universo.

O Luffy pode segurar um raio?!

Claro que pode! Ele não segurou Enel? Então, ele pode segurar um raio. Próxima pergunta? Ainda não, pois vamos extrapolá-la para as leis físicas do nosso mundo. E para melhor respondê-la, vamos entender como funciona um raio.

Um raio pode ser descrito como uma descarga elétrica atmosférica. Isso basicamente nos diz que existem cargas elétricas em ponto que vão para outro ponto em busca de um “equilíbrio”. Os raios podem ocorrer de diferentes maneiras, mas vamos nos restringir àqueles que ocorrem com descarga de cargas negativas das nuvens ao solo.

Cargas negativas são produzidas nas nuvens devido a um fenômeno ainda não esclarecido e entendido pela ciência. De qualquer forma, na parte inferior das nuvens de tempestades há uma grande concentração delas. Devido a esse acúmulo, uma “força” surge, a qual faz com que essas cargas negativas atravessem a atmosfera para chegar ao solo. Essa força é chamada de diferença de potencial elétrico, de tensão elétrica e, mais coloquialmente, de voltagem. Esse fenômeno é o que faz qualquer coisa elétrica que temos em casa, como um chuveiro, funcionar.

Quando nós temos uma tensão elétrica grande o suficiente, nós temos o raio. Essa tensão elétrica é a voltagem do raio, que pode variar de 100 milhões a 1 bilhões de Volts. Essa “força” massiva faz com que grandes quantidades de cargas negativas atravessem a atmosfera em questões de milissegundos (0,2 s em média), ou seja, faz com que o raio tenha uma corrente elétrica média de 15 mil Amperes. Tanto a tensão, quanto a corrente são altas para um caramba!

Então, de forma bem geral, o raio é essa descarga elétrica com alta tensão e corrente elétricas que ocorre rapidamente na atmosfera. Nota-se que em nenhum momento foi falado na luz e no som de um raio. Não é à toa. O relâmpago (luz) e o trovão (som) são na verdade consequências do raio. O relâmpago ocorre porque, para o raio atravessar a atmosfera, existe a diferença de potencial elétrica tamanha a ponto de ionizar as moléculas de ar. Quando as moléculas estão ionizadas, ou no estado de plasma, elas emitem a luz característica que nós vemos de um raio. Já o trovão ocorre devido ao repentino aquecimento do ar em torno de onde a descarga elétrica passou, que faz com que o ar se expanda repentinamente e crie, consequentemente, ondas sonoras.

Nota-se que o raio é, na verdade, um fenômeno que depende de nuvem, solo, cargas elétricas, atmosfera, tensão, corrente… Também nota-se que o raio só ocorre quando há condições que as cargas elétricas se movimentam, o que pode ser prejudicado por uma material que não permita que isso ocorra. Dessa forma, fica nítido que uma mão de borracha agarrar algo que só acontece em condições tão específicas e por um curto período de tempo é completamente impossível. Assim, finalmente respondendo à questão inicial, o Luffy jamais seria capaz de segurar um raio no nosso mundo real.

O Luffy resistiria aos ataques do Enel?

Bem, antes de falarmos do Luffy, temos que falar do Enel. Felizmente, devido ao Enel ser representado como um raio, podemos usar bastante do que já foi dito na pergunta anterior.

Como vocês devem ter notado, para termos uma corrente elétrica no ar, é necessário que haja uma alta tensão elétrica. Pergunto: se a atmosfera fosse composta por metais sólidos, seria necessária uma alta voltagem? A resposta, como vocês todos devem saber, é não. E o que diferencia o metal das moléculas de ar? Bem, o metal é um condutor elétrico e o ar é um isolante elétrico. Sim, o ar que conduz a eletricidade de um raio é classificado como um isolante elétrico, tal como a borracha. Acredito que vocês já imaginam o que vem pela frente.

Vamos à definição de materiais isolantes elétricos, ou, como também chamados, materiais dielétricos. Materiais dielétricos, a grosso modo, possuem os elétrons fortemente ligados aos núcleos de seus átomos. Dessa forma, os elétrons não estão livres e, consequentemente, não é atingida a condição necessária para a ocorrência de uma corrente elétrica. No entanto, essa condição pode mudar em condições de altas tensões.

Todos os materiais dielétricos possuem uma rigidez dielétrica, ou seja, um valor crítico que quando ultrapassado faz com que o material deixe de ser isolante e se torne condutor. Esse fenômeno ocorre devido ao material isolante estar submetido a uma tensão alta o suficiente capaz de criar elétrons livres capazes de conduzir eletricidade. É exatamente por isso que o raio ocorre! No caso, os elétrons livres fazem que o ar ionize e a carga elétrica pode sair das nuvens para o solo fazendo todo aquele espetáculo.

E quanto alta tem que ser essa tensão para que ocorra essa transformação de isolante para condutor? No caso do ar que conduz um raio, sabemos que é pelo menos 100 milhões de Volts. Mas existe um valor mais preciso e esse depende da rigidez dielétrica. O ar possui uma rigidez dielétrica de 3 MV/m, ou seja, para que ocorra uma descarga elétrica numa camada de ar de um metro, é preciso que haja uma diferença de potencial elétrico de 3 milhões de Volts. Então, para uma nuvem que está a 2 mil metros do chão, a tensão mínima para que ocorra a descarga é de 6 bilhões de Volts! Epa! Esse valor é maior que os 100 milhões ditos anteriormente. Bem, isso ocorre porque a rigidez dielétrica diminui conforme o ar fica rarefeito. É mais fácil ionizar materiais em baixas pressões. Mas esse fenômeno é observado numa camada de ar com mais de 2 mil metros de altura. Certamente, a variação de rigidez dielétrica de uma borracha com 1,74 metros, tal como o Luffy, não é significativa.

No capítulo 279 , começa o embate icônico entre Enel e Luffy. Nessa luta, Enel desfere dois golpes, um com 60 milhões e outro com 100 milhões de Volts. Já no capítulo 298 , Enel tenta derrotar Luffy com um golpe de 200 milhões de Volts. Golpes assustadores! Mas essa voltagem toda é suficiente para afetar uma borracha?

Pois bem, a rigidez dielétrica de uma borracha é 5 a 8 vezes maior que a do ar. Usando o valor mais alto, é de 25 milhões de Volts por metro. Ao multiplicar esse valor pela altura do Luffy, temos uma tensão mínima para o Luffy se tornar condutor de 43,5 milhões de Volts. Notoriamente, esse valor é mais baixo que o valor do golpe mais fraco do Enel. Ou seja, para todos os casos, o Luffy seria um condutor elétrico para a eletricidade gerada pelo Enel.

Mas ser um condutor é problemático? Bem, podemos pensar que uma descarga elétrica de 200 milhões de Volts seja catastrófica para qualquer corpo, sem importar se é ou não de borracha. No caso de um ser humano de carne e osso, o que causa danos severos (que podem levar a morte) é a corrente elétrica e não propriamente a tensão elétrica. Nosso corpo utiliza sinais elétricos para o funcionamento correto dos órgãos. Quando o sinal elétrico é alterado por uma corrente elétrica externa, os órgãos têm seus funcionamentos alterados. Dessa forma, com correntes elétricas de 0,001 Amperes a 0,01 Amperes, sentimos formigamentos. Com correntes entre 0,1 Amperes a 0,2 Amperes, o coração simplesmente colapsa. Nota-se que são correntes bem baixas.

E qual é a corrente elétrica que percorre o Luffy depois de um choque de 200 milhões de Volts? Bem ao aplicar a primeira e a segunda Lei de Ohm, o Luffy possui uma resistência elétrica de 1,52×1015 Ohm (altíssima!!). E, usando a equação R=U/I (R = resistência, U = Tensão, I = Corrente), descobrimos que a corrente elétrica é de 0,000000132 Amperes (baixíssima!!). Ou seja, o Luffy não sentiria nem um formigamento se quer! Então, mesmo que o Luffy fosse condutor, ele não deveria ser afetado pelo golpe do Enel.

Pode ser levantada a questão da temperatura que um raio poderia fazer o corpo do Luffy chegar. É sabido que uma descarga elétrica atmosférica pode chegar a 30.000 °C, o que é muito alto (e se você leu a Parte 2 desse artigo, sabe o estrago que a temperatura faz numa borracha). No entanto, esse aquecimento ocorre porque os raios têm uma corrente elétrica média de 15 mil Amperes. É coisa para um caramba! Mas, como vimos anteriormente, a corrente elétrica no Luffy seria muito menor, o que não resultaria numa alteração de temperatura expressiva. Mas, caso uma descarga elétrica semelhante a um raio (que transita no ar no estado de plasma, sempre lembre disso) atravessasse o Luffy, a variação de temperatura, calculada pelo efeito Joule, seria de 5.428.316 °C. Bem, não preciso dizer mais nada.

Então, meus caros, pelos meus cálculos, se um raio proveniente do Enel atravessasse a borracha do Luffy com atravessa o ar, o efeito seria catastrófico. Agora, utilizando os conceitos das primeira e segunda Leis de Ohm, o Luffy continuaria imune aos ataques do Enel.

E chegamos ao fim desse papo de eletricidade! Eletrizante, não? Então digo mais: chegamos ao fim dessa longa jornada pela borracha! Elástica, não? Sim, galera, o que eu tinha para dizer sobre esse material era isso. Obviamente, eu trouxe muuuuuuuitas simplificações, embora o cenário geral seja algo muito parecido disso. Eu recomendo fortemente que vocês procurem por literatura especializada para realmente entender todos esses fenômenos trazidos nas 3 partes deste artigo.

Deixe seus comentários, quero saber todos os cálculos errados que eu fiz! Hehehe! Em breve, voltaremos com mais um artigo abordando outro material que permite que as coisas maravilhosas ocorram em One Piece!

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