Olá, fãs de One Piece e admiradores de curiosidades científicas! A Série Kairoseki está de volta para a Parte 2 do ainda quente tema sobre BORRACHA! Sim, esse assunto, tal como na história, ainda tem muito o que ser discutido. Mas antes disso, para aqueles que chegaram aqui sem conhecer o que é a Série Kairoseki ou sem ter lido a Parte 1, sugiro que leia este post aqui para uma melhor apreciação desse conteúdo. Caso queira seguir a leitura desse texto, sinta-se à vontade! Acredito que você terá uma boa experiência.
Com o final do capítulo 1043, muitas dúvidas sobre a borracha surgiram. Algumas foram aniquiladas com a Parte 1 do artigo sobre Borrachas, outras, com o andamento da obra. Também é verdade que nesse mesmo trajeto muitas dúvidas também surgiram. Então, essa Parte 2 mira principalmente nos efeitos da temperatura na borracha.
Assim, a Série Kairoseki continua abordando os materiais de One Piece de uma maneira científica e entretida. Sabemos que o que acontece com cada material na obra depende única e exclusivamente da mágica liberdade imaginativa do Oda e de seus personagens. One Piece é ficção, não ciências. No entanto, obras de ficção podem se utilizar de elementos reais para construir sua narrativa. Isso possibilita que o fã da obra analise, reflita, conheça mais sobre o mundo em que vivemos. E, se em One Piece o Luffy tem propriedades de borracha, existe lógica abordarmos essa temática e nos tornamos ainda mais conhecedores do lugar que vivemos.
Por isso, meus caros, vamos em frente que hoje o conteúdo está elástico e quente!
O Luffy pode esticar mais se estiver mais quente?
O quanto a sua imaginação permitir! Mas se as propriedades da borracha fossem limitadas tal como no nosso mundo? Já adianto: parte da resposta vai quebrar cabeças. Vamos começar com um exercício que é para você que tem mais de 18 anos de idade e sabe fritar um ovo sem se machucar (caso não seja você, não pratique esse exercício).
Você foi ao supermercado e fez as compras da cesta básica. Do dinheiro, voltou para casa só a borrachinha que segurava as notas. Não lamente! É dela que necessitamos. De alguma forma, amarre um brigadeiro nela, erga-a e evite que ela toque qualquer superfície salvo seus dedos. Você está vendo uma borrachinha levemente tracionada (ou esticada) ao segurar pendurado um brigadeiro. Excelente! Agora, leve essa borrachinha ao lado de uma lâmpada incandescente, que é uma fonte de calor, e veja o milagre acontecer. A borracha vai ENCOLHER! Sim, diferentemente do que nós pensamos num senso comum, até porque isso é muito notório com metais, o que observamos é uma borracha que diminui seu tamanho quando é aquecida. Se você não pôde fazer o experimento em casa ou não tem fé no que viu, este vídeo pode mostra o que estou falando.
Pois bem, se suas cabeças ainda estiverem intactas, não temos mais com o que nos preocupar; essa era a resposta surpreendente. E não é para menos. Como pode um material quando aquecido diminuir de tamanho? Vamos à resposta (de forma simples, sem muitos termos termodinâmicos). Primeiramente, é importante ressaltar que esse efeito é observado quando a borracha está sob tração. Uma borracha, por si só, não se estica. O que a faz esticar é uma pessoa a puxando ou pendurando um brigadeiro nela, por exemplo; em outras palavras, ela só alonga quando é tracionada. Sem uma força externa, as cadeias poliméricas que constituem a borracha estão lá, paradinhas, uma emaranhada na outra, parecendo um prato de espaguete. Quando é aplicada uma força trativa, essas cadeias tendem a se orientar na direção da força, o que as faz ficar mais alongadas e com menos capacidade de vibrar.
E o que é essa capacidade de vibrar? Bem, de forma bem resumida, os átomos que constituem uma molécula ou uma macromolécula (no caso de uma cadeia polimérica) não ficam lá paradinhos. Na verdade, esses átomos vibram, e vibram de diferentes maneiras e com diferentes intensidades. Na figura ao lado, nós temos uma molécula formada por átomos do elemento CINZA ESCURO e por átomos do elemento CINZA CLARO. Notamos que os átomos estão ligados por uma ligação forte (linha contínua entre as esferas) e eles se aproximam e se afastam de si sem quebrar a ligação. O movimento de ir e voltar para uma posição se chama vibração.
Por as cadeias poliméricas estarem tracionadas e alongadas, suas capacidades de vibração diminuíram, o que diminuiu a suas entropias. Ao aquecê-las, a entropia aumenta e as cadeias poliméricas ganham energia e, consequentemente, aumentam a capacidade de vibrar. No entanto, como elas estão tracionadas, a vibração é restringida, o que exige que as cadeias poliméricas contraiam e saiam desse estado alongado para um estado mais relaxado para, então, aumentar a intensidade da vibração. Assim, vemos o fenômeno da borracha contrair quando aquecida, pois as cadeias que estavam alongadas por conta da força de tração não estão mais (ou não mais na mesma intensidade). Isso é o que causa a diminuição das dimensões da borracha sob efeito de aumento de temperatura.
E se a borracha estiver sob compressão em vez de tração? Bem, a lógica continua a mesma, mas ao contrário. Se o material for apertado e diminuído em relação às suas dimensões iniciais, quando aquecido, ele tenderá a aumentar de tamanho. Novamente, a lógica de vibração de moléculas e variação de entropia explicam a situação.
Dessa forma, nós notamos que a temperatura, sim, é capaz de afetar o Luffy, principalmente quando ele está usando o Gear 4. Nesse caso, ele utiliza uma grande quantidade de ar para inflar, o que faz com que sua pele estique e ele fique maior. Nesse processo de esticar a pele, ele, na verdade, está tracionando a borracha que o compõe. Então, dessa forma, quando aquecido, o Luffy deveria PERDER elasticidade, ou seja, ele deveria esticar ainda menos.
Bem, a discussão sobre o efeito da temperatura na borracha foi fomentada depois do último quadro do capítulo 1043. Naquele quadro, o Luffy tinha recém levado um golpe físico muito (mas muito) forte. Discutiu-se bastante sobre os efeitos dessa tabacada. Quero trazer um desses efeitos para esse texto.
Quando o Luffy recebeu o golpe, obviamente ele se deformou. A deformação ocorreu por forças de tração (que aumentam dimensões) e forças de compreensão (que diminuem dimensões) que atuaram em seu corpo. Durante o processo de deformação súbita (tal como no caso), as borrachas tendem a mudar sua temperatura: ao aumentar de tamanho, aquecem; ao diminuir, esfriam. Sim, só o fato de esticar ou comprimir muda a temperatura do material. No entanto, a borracha logo entra em equilíbrio com o ambiente, o que faz com que sua temperatura volte a ser igual a inicial. Disso, podemos avaliar que, embora um golpe forte pode sim aquecer uma borracha, ele não será capaz de mudar a temperatura de forma significativa para ter tempo que ela exerça algum efeito sobre o material. Dessa forma, somente fontes externas ou internas (Gear 2nd, por exemplo) podem causar efeitos nas propriedades da borracha.
As ilhas de inverno favorecem o Luffy?
É o que podemos concluir ao saber que a borracha diminui o alongamento quando é aquecida. Infelizmente, temperaturas baixas também tem seus efeitos deletérios. Sobre materiais poliméricos, é muito comum conhecer três de suas propriedades térmicas: temperatura de transição vítrea (Tg), temperatura de cristalização (Tc) e temperatura de fusão (Tm). Nem todos os polímeros possuem temperaturas as quais eles cristalizam ou fundem, mas isso não vem ao caso (agora). O que vamos abordar é a transição vítrea, pois geralmente é correlacionada a temperaturas baixas.
Transição vítrea pode ser exemplificada com as capas de CDs que quando ficam no sol, acabam amolecendo. O quê? Vocês não lembram ou não sabem o que é um CD? Bem, mudamos o exemplo; um bombom. Você compra um bombom no bom do ar-condicionado de um supermercado, que está todo firme na embalagem. Mas depois de duas horas no calor do trânsito, ele fica todo molenga. A transição vítrea é mais ou menos isso aí: um material sólido duro e rígido ficar mole e “borrachoso” e vice e versa. Essa transição ocorre em uma (faixa de) temperatura específica para cada material: quando a temperatura da borracha está abaixo da sua temperatura de transição vítrea, ela fica dura; quando está acima, fica mole.
Esse comportamento novamente está correlacionado à capacidade de uma molécula se locomover dentro de um material polimérico. Quando as temperaturas estão baixas que a temperatura de transição vítrea de um polímero, as suas cadeias poliméricas não têm energia o suficiente para ter mobilidade, o que dificulta que esse material se deforme (a deformação depende da mobilidade de cadeias). Então, em temperaturas menores à Tg, uma borracha perde elasticidades e se torna frágil. Ao ter esse material novamente em temperatura superior à Tg, as cadeias voltam a ter mobilidade o suficiente para dizermos que ele está “mole”.
Isso quer dizer que o Luffy estaria mais frágil em Drum? Depende de qual borracha seria o Luffy e quanto frio é Drum. Se assumirmos que a temperatura de Drum é a mesma da cidade mais fria da terra, os Chapéus de Palha enfrentaram um frio de aproximadamente -45°C. Se a borracha do Luffy tiver uma transição vítrea em -46°C, ele continua todo flexível; se a transição vítrea for em -44°C, ele vai estar rígido.
Quando o vimos em Drum, Luffy parecia estar em sua plena forma e com total capacidade de movimento. Isso não surpreende no mundo de One Piece, porque estamos nos referindo ao Luffy, mas no nosso mundo surpreenderia. Na Parte 1 do artigo sobre borrachas, vimos que o Luffy poderia ser de uma borracha chamada NBR. Esse tipo de borracha (afinal existem várias NBR) tem uma faixa de Tg que varia de -16°C a -55°C, o que indica que várias NBR estariam sólidas como uma pedra em Drum (todas que tiverem uma Tg superior a -45°C). Borrachas com uma Tg tão baixa, equiparável a temperatura da cidade mais fria do mundo, é algo muito difícil de se encontrar. Esses compostos elastoméricos geralmente são desenvolvidos para aplicações em condições como essas, que fogem do cotidiano da grande maioria das pessoas. Assim, ao se deparar com um composto elastomérico desses, causaria surpresa.
O soco do Akainu poderia ter feito o Luffy derreter?
Pelo que vocês viram até então, temperatura é algo que afeta muito borracha. Numa condição de temperatura alta como a da lava, que pode variar de 800 a 1200°C, evidentemente que a borracha não se comportaria bem. Vale ressaltar, que nessa temperatura, a grande maioria (senão todos) os polímeros sofrem danos gravíssimos em sua estrutura, levando esse material a se decompor. A decomposição de polímeros ocorre quando as cadeias poliméricas se quebram, pois existe energia o suficiente no sistema para quebrar as ligações fortes existentes entre os carbonos. Se fizermos uma analogia de uma cadeia polimérica com uma corrente, podemos dizer que a temperatura seria alta o suficiente para fazer um elo se quebrar, o que transformaria uma grande corrente em duas menores. E isso, na verdade, aconteceria com vários elos, o que faria surgir vários pedaços pequenos da corrente. Esse efeito da decomposição simplesmente aniquila o que faz um polímero ser um polímero, ou seja, acaba com as macromoléculas ou cadeias poliméricas.
E qual seria a temperatura para o Luffy derreter sem decompor? Bem, a temperatura para um polímero derreter é aquela descrita pela temperatura de fusão que comentei acima. Materiais poliméricos são inúmeros e por isso são inúmeras as Tm. E também são inúmeros os polímeros que não possuem Tm, que simplesmente decompõem depois de uma certa temperatura. Obviamente as borrachas estão neste grupo.
O ato de derreter de um polímero que derrete pode ser descrito, de forma simples, como a capacidade das cadeias poliméricas ganharem mobilidade o suficiente para deslizarem umas sobre as outras sem grandes dificuldades. Isso é possível porque cada cadeia é independente e não está ligada a outra. No caso das borrachas, o processo de reticulação fez com que as cadeias tivessem ligações químicas cruzadas que uniram as cadeias poliméricas. Nesse caso, mesmo com o acréscimo da temperatura, as cadeias poliméricas não ganham mobilidade o suficiente para caracterizar o material como um fundido (a grosso modo, como um líquido). Além disso, a temperatura que pode quebrar uma reticulação, o que daria mobilidade às cadeias poliméricas, é a mesma temperatura que pode quebrar as ligações de carbono, o que inicia o processo de decomposição.
Então, meus caros, se o soco do Akainu tivesse acertado o Luffy em cheio, o resultado teria sido catastrófico para o nosso querido pirata que estica.
Prezados e prezadas que leram até aqui, vocês aceitam uma caneca de chocolate quente para recompor as energias depois dessa longa leitura? Que mal um calorzinho poderia fazer, não é? Ah, tenho certeza que ninguém aqui é de borracha e por isso mesmo pode beber bem tranquilamente!
E como vocês estão energizados, por favor, deixem seus comentários sobre o conteúdo desta publicação. Ele foi escrito com todo o apoio da OPEX para se ter a melhor experiência possível. Eu adoraria saber o que vocês acharam do texto, as dúvidas que foram criadas e sanadas e como vocês vêem como o Oda explora todos os limites do pirata que tem propriedades de borracha.
E também se preparem para a Parte 3 do artigo sobre borrachas! Sim, terá mais uma parte, pois quero falar porque o Enel ficou boquiaberto ao ver o Luffy resistir aos seus ataques elétricos. O Luffy seria de fato imune? Toda borracha pode lhe proteger na hora de trocar o chuveiro? Pois bem, as respostas chegam em breve!
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